Quando pensamos em trabalhar com as linguagens das artes é possível procurar obras de artistas como referência. Também podemos ter interesse em apresentar ou nos inspirar nas produções de algum artista que admiramos e percebemos que suas criações dialogam com as brincadeiras, experiências e modos de elaboração de bebês e crianças.
Existe uma tendência de que essa proposta caminhe para a produção de releituras. No entanto, devemos nos questionar sobre qual o sentido e o significado para bebês e crianças produzirem releituras de obras.
Realizar releitura de uma obra não é simplesmente fazer uma cópia. Quando uma ou um artista decide fazer uma releitura, ela ou ele buscam uma possibilidade de revisitar determinado trabalho artístico trazendo novas nuances, enfatizando elementos ou levantando alguma crítica.
Um trabalho de releitura é intencional, necessita reprojetar uma obra de forma criativa, inserindo novos atributos, refletindo sobre conceitos e propondo algum tipo de inovação.
Artistas que fazem essa escolha têm um bom entendimento sobre o contexto da obra e avaliam processos para que uma releitura não fique na superficialidade de reproduzir a técnica e os materiais.
A releitura tem forte relação com ideias, por isso cabe a reflexão sobre a real necessidade de levar propostas de releituras para bebês e crianças na educação infantil. Será que não há outras formas mais expressivas de trazer o trabalho de artistas para o cotidiano educacional e que realmente façam sentido para educadoras, bebês e crianças?
Nesse sentido, trabalhar com a expectativa de que bebês e crianças façam releituras traz um grande risco de cair na tentativa de propor cópia de técnicas, formas, cores, etc, além de muitas “atividades” padronizadas e sem traços singulares.
É possível elaborar formas mais expressivas para pensar na influência de artistas. Por que não buscar um tipo de pesquisa a ser realizada a partir de suas obras?
Para começar, vamos refletir sobre qual artista e porque nos chamou atenção. Fazer algumas perguntas. Em que medida a poética dela ou dele se encontra com as brincadeiras e pesquisas de bebês e crianças da sua turma? Quais as discussões que ela ou ele trazem? O que você espera despertar nos bebês e nas crianças ao chamar sua atenção para essa obra? O que a materialidade da obra revela ou quais sentidos propõe?
Vale lembrar que um trabalho bem elaborado com referências artísticas não precisa necessariamente que a obra seja apresentada para o grupo de bebês e crianças. Por vezes, essa referência será da professora e do professor na hora de planejar as propostas. A professora e o professor partem do princípio de que a obra trará inspiração para outras vivências junto às crianças.
Certa vez, trabalhei com o poema de Henriqueta Lisboa, Ciranda das Mariposas como inspiração para o clima das propostas com o berçário. Procurei levar para a ação, as cores das mariposas e a translucidez da vidraça na qual a criança do poema estaria supostamente observando o movimento desses insetos tão instigantes.
Procurei levar características marcantes da poesia de Henriqueta Lisboa como a sensibilidade e a delicadeza. Assim como a poetisa brinca com as palavras em sua poesia, os bebês poderiam brincar com as instalações e os tecidos oferecidos.
A essência em trabalhar a partir dessa referência artística reside em como poesia deu o tom para as propostas, como nos deslocamos do poema para a performance e para a instalação. Não houve leitura nem releitura!
É possível olhar para as obras de arte procurando as cores, os traços, os espaços, os sons, os silêncios, os sentimentos e as histórias. Pensar em materiais expressivos para serem oferecidos. Dessa forma, fazemos um movimento de nos debruçarmos sobre a obra para sair dela e exercitar a criatividade para sair do óbvio.
Não é preciso montar um cenário, trazer os objetos do poema, muito menos fazer um teatrinho com os personagens. Essas escolhas, por vezes, nos deixam na superficialidade. Quando realizamos um exercício de pesquisa sobre a obra inspiradora, vamos além, podemos extrapolar o que está explícito na obra. Transformamos esse fazer artístico em uma experiência estética com a obra, valorizando o efêmero, as sensações, deslocamos a obra para um lugar de ambiente habitado, não de atividade a ser executada.
É interessante pensar na expansão de linguagens. Uma fotografia pode inspirar uma instalação. Uma música pode inspirar uma história. Uma escultura pode inspirar uma performance. Porém é preciso atenção para não cair novamente na produção de atividades. Por exemplo, quando se lê uma história e se pede um desenho, ou quando se propõe desenhar ouvindo uma música. Com esse tipo de proposta não estamos trabalhando na interação de diferentes linguagens, esses muitas vezes são exercícios mecânicos que levam todos os bebês e crianças a traçarem o mesmo caminho. Precisamos abandonar esse senso comum e pensar em diferentes possibilidades.
É preciso entender que nem todas as obras serão potencializadoras dessas ações mais criativas. É preciso escolher bem, pesquisar e experimentar. Dessa forma, será possível que bebês e crianças estabeleçam uma relação de aproximação com a obra e sua poética.
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